terça-feira, agosto 15, 2006

Toque, mas não me toque!

Mais uma vez o telefone insistia em tocar. Ela já não suportava mais o estridente tilintar, e tinha a ligeira impressão de que o toque já fora mais agradável. Mas as coisas haviam mudado bastante, há tempos o aparelho não dava sinal de vida, e nem ao menos de morte. E antes fosse assim, porque a indiferença e a apatia a corroíam por dentro.
Mil e uma noites sem um único sussurrar e fazia horas que o telefone berrava como um bebê chorão. Mirava o insistente infante e não conseguia se mover, queria atender, mas tinha medo. Tanto tempo de silêncio... havia prometido a si mesma que iria esquecer. Qual seria o motivo de tão descompromissada ligação? Ainda teria forças para falar?
O relógio marcava onze horas e ela já se preparava para dormir, mas o coração palpitava a cada toque. Toda ela era como que um estremecer, não conseguia controlar seus movimentos: a cada palpitar um suspiro, e a cada suspiro um mundo de sentimentos.
Por que para ele era tão fácil, tão normal? Quase que um espetáculo de mágica! O coelho havia desaparecido na cartola e agora cismava em aparecer com esse sorriso amarelo. O que teria feito todo esse tempo? Seriam nossos compassos diferentes? Desse lado, um ano, do outro, um único dia. Que covardia!
Não conseguiria dormir, e ele o parecia saber, na verdade ele bem o sabia. Tantas vezes a fizera perder o sono, era como que uma espécie de hobby. Desde o princípio fora assim, ele tanto insistiu que a convenceu de que seria um homem diferente. Afinal, só iria saber se tentasse, não é?
Fato era que depois de mais uma tentativa perdia sua noite mirando o presunçoso celular, que a cada chamada testava seu poder. Era como um esporo...depois de anos de inatividade, ao encontrar solo favorável...o sentimento voltava por completo. Todas as alegrias, todos os planos, todas as risadas, tudo se tornava vivo e certo!
- Alô...
- Oi! Como você está?
- Bem...e você, perdeu o sono?
- É... estive pensando em você, então resolvi ligar...tem planos para amanhã?
- Tenho...aliás, muitos! A começar por te tirar da lista...
- Hã? Mas eu estou te ligando...não era da falta de ligação que você sempre reclamava?
- Pois é...legal você ter ligado...é bom saber que está vivo...assim fica mais fácil te apagar...
- Você ficou doida?
- Não precisa se assustar...quem me procurou foi você, certo? Então fica tranqüilo, eu estou bem, seguindo a minha vida.
- Ok. Então amanhã...nada feito?
- Boa noite. Durma com os anjinhos, querido. Um novo espetáculo me espera...afinal, só vou saber se tentar, não é?

sexta-feira, agosto 11, 2006

Um dia de Pipoqueiro

Em minha praça, luz escassa
Arrumo aos poucos, meus instrumentos
E ao relento, simples jornada
Vou registrando os movimentos

Óleo quente, fumaça ao vento
Os grãos de milho a pipocar
Olhos ardentes, o ritmo lento
A iminência de um fervilhar

No vaivém da minha panela
As mãos repetem o pipocar
O ritmo tímido, já se acelera
E já não me compete o relatar

Sigo mexendo, sigo mirando
O odor se espalha no ar
Se entrelaça a outros, segue vagando
E acaba revelando outro par

Doce ou salgada?
Quem iria desconfiar...
Mãe e filho brincam na praça
E ao lado, um homem a piscar

Triste coincidência
O marido resolve passear
Foi-se o encontro. Paciência!
Uma pipoquinha para relaxar...

Coloca canela, adiciona melado
Os sentimentos a sufocar
Sacode a panela, mais queijo-ralado
Lances implícitos a estourar

E nessa mistura de cores e odores
Vou tirando meu nobre sustento
Não pelos trocados, jogados ao vento
Mas pelos amores, meu doce alimento.