domingo, junho 17, 2007

Diálogos de ônibus

- Meu pai sempre dizia..."não vou querer entrar pela frente quanto tiver idade suficiente".
- Sério? E, por quê?
- Ele achava que não tinha necessidade de "passar por isso"...de admitir que é idoso só para economizar um mísero bilhete.
- Mas e ai? Ele mudou de idéia?
- Na verdade, nunca precisou...
- Ainda paga a passagem?
- Não...morreu antes de ter que passar por isso...

Teste de Paciência

- Estou olhando aqui o seu currículo...formada em Publicidade e Propaganda...o que você acha de uma empresa na qual nunca terá a oportunidade de trabalhar com Marketing?
- Hum...na verdade não acredito que existam empresas onde não se trabalhe o marketing. Empresas não são entidades beneficentes, querem vender produtos ou serviços e todo ato de venda já pressupõe a atividade do marketing. Portanto, não acredito nessa possibilidade.
- EU estou dizendo, você não trabalhará com marketing.
- Ok. Suponhamos que eu não opere o marketing propriamente dito. Ainda sim não me desprenderia desse universo, já que em todas as relações humanas, o marketing pessoal é necessário. Se lida com o marketing desde muito cedo, quando se justifica um comportamento inadequado na escola, quando se vende para o sexo oposto, e até mesmo numa entrevista como essa, não é? Por que não utilizar o marketing nas relações corporativas...
- Já entendi. Você gosta de se enganar?
- Não compreendi o seu comentário.
- Sigamos...já que você é tão marketeira, segure essa caneta, vá até aquele quadro, desenhe um objeto e venda-o para mim...
- Você utiliza canetas, certo? E as necessita desde muito jovem? Isso sem contar com a quantidade de canetas que já deve ter perdido ao longo de sua vida...
- sim...mas você ainda não desenhou o objeto.
- Não precisa. Meu produto é essa caneta.
- Quero que você desenhe.
- Ok. Esse é meu protótipo...mas como prefiro vender um objeto paupável, eis a caneta que você necessita. É a caneta do futuro...aliás, um fato interessante. Estamos no mercado há muito tempo e já produzimos canetas que se adaptem aos diversos tipos de ferramentas para a escrita: pedra, madeira, pergaminho, papel...palms...assim, você sabe que não ficará desatualizado caso haja uma revolução no mercado...
- Quanto custa?
- Pra você? De graça...
- Como assim? Você não quer fazer negócio agora.
- Claro que quero. Mas não agora somente...estou perpetuando o nosso relacionamento. Pode ficar com essa, utilize e tenho certeza de que voltará a me procurar. Confio no meu produto.
- Quanto custa? Quero comprar em quantidade para vender no meu site.
- R$ 2,00
- Vou comprar em grande quantidade. Pago R$ 0,60.
- Por que essa margem tão grande?
- De quanto é essa margem?
- Absurda. Uns 300%.
- De quanto é? Faça a conta.
- Um pouco mais que 200%
- Você foi melhor no primeiro chute. Mas enfim...estou vendo aqui que você já trabalhou com BSC...quero que você me explique o que é isso.
- Bem...BSC (Balanced Scorecard) é uma ferramenta de gestão, baseada em indicadores de desempenho com metas baseadas em histórico. Na empresa que trabalhei, utilizávamos mais os indicadores de vendas...
- Tá. Mas o que é BSC?
- Não fui clara?
- Não.
- Bem...talvez a sua base teórica seja mais fundamentada do que a minha. Porque o que sei, aprendi no mercado, utilizando na prática as ferramentas. E é isso o que acabei de expor.
- Ok. Você receberá uma resposta até o final da semana.
- Obrigada.

Refém

Um passo, o abismo
Na mirada, tempo perdido
E esse cinismo
De uma vida encantada
Vai diluindo seu nobre sentido

Vida, amores, desencantos
Tantas dores! Tantos prantos!
Ofício, valores, falsos mantos
Eis minh’alma, Senhores
A vagar pelos cantos

E que faço dela?
Se não posso guiar
O que gosto, o que se espera
Onde se deve vagar
Mire a janela, logo compreenderá

Quem se importa?
A essência perdida
E nessa batida, quase não se nota
Que a triste mania de escapar não comporta
Os desatinos dessa vida descabida

Que é loucura?
Insegurança, dúvidas, temor
Sou refém de mim, auto-tortura
Meu algoz, meu tutor
Que de conselhos, fartura
Sem conseguir LibertaDor.

terça-feira, agosto 15, 2006

Toque, mas não me toque!

Mais uma vez o telefone insistia em tocar. Ela já não suportava mais o estridente tilintar, e tinha a ligeira impressão de que o toque já fora mais agradável. Mas as coisas haviam mudado bastante, há tempos o aparelho não dava sinal de vida, e nem ao menos de morte. E antes fosse assim, porque a indiferença e a apatia a corroíam por dentro.
Mil e uma noites sem um único sussurrar e fazia horas que o telefone berrava como um bebê chorão. Mirava o insistente infante e não conseguia se mover, queria atender, mas tinha medo. Tanto tempo de silêncio... havia prometido a si mesma que iria esquecer. Qual seria o motivo de tão descompromissada ligação? Ainda teria forças para falar?
O relógio marcava onze horas e ela já se preparava para dormir, mas o coração palpitava a cada toque. Toda ela era como que um estremecer, não conseguia controlar seus movimentos: a cada palpitar um suspiro, e a cada suspiro um mundo de sentimentos.
Por que para ele era tão fácil, tão normal? Quase que um espetáculo de mágica! O coelho havia desaparecido na cartola e agora cismava em aparecer com esse sorriso amarelo. O que teria feito todo esse tempo? Seriam nossos compassos diferentes? Desse lado, um ano, do outro, um único dia. Que covardia!
Não conseguiria dormir, e ele o parecia saber, na verdade ele bem o sabia. Tantas vezes a fizera perder o sono, era como que uma espécie de hobby. Desde o princípio fora assim, ele tanto insistiu que a convenceu de que seria um homem diferente. Afinal, só iria saber se tentasse, não é?
Fato era que depois de mais uma tentativa perdia sua noite mirando o presunçoso celular, que a cada chamada testava seu poder. Era como um esporo...depois de anos de inatividade, ao encontrar solo favorável...o sentimento voltava por completo. Todas as alegrias, todos os planos, todas as risadas, tudo se tornava vivo e certo!
- Alô...
- Oi! Como você está?
- Bem...e você, perdeu o sono?
- É... estive pensando em você, então resolvi ligar...tem planos para amanhã?
- Tenho...aliás, muitos! A começar por te tirar da lista...
- Hã? Mas eu estou te ligando...não era da falta de ligação que você sempre reclamava?
- Pois é...legal você ter ligado...é bom saber que está vivo...assim fica mais fácil te apagar...
- Você ficou doida?
- Não precisa se assustar...quem me procurou foi você, certo? Então fica tranqüilo, eu estou bem, seguindo a minha vida.
- Ok. Então amanhã...nada feito?
- Boa noite. Durma com os anjinhos, querido. Um novo espetáculo me espera...afinal, só vou saber se tentar, não é?

sexta-feira, agosto 11, 2006

Um dia de Pipoqueiro

Em minha praça, luz escassa
Arrumo aos poucos, meus instrumentos
E ao relento, simples jornada
Vou registrando os movimentos

Óleo quente, fumaça ao vento
Os grãos de milho a pipocar
Olhos ardentes, o ritmo lento
A iminência de um fervilhar

No vaivém da minha panela
As mãos repetem o pipocar
O ritmo tímido, já se acelera
E já não me compete o relatar

Sigo mexendo, sigo mirando
O odor se espalha no ar
Se entrelaça a outros, segue vagando
E acaba revelando outro par

Doce ou salgada?
Quem iria desconfiar...
Mãe e filho brincam na praça
E ao lado, um homem a piscar

Triste coincidência
O marido resolve passear
Foi-se o encontro. Paciência!
Uma pipoquinha para relaxar...

Coloca canela, adiciona melado
Os sentimentos a sufocar
Sacode a panela, mais queijo-ralado
Lances implícitos a estourar

E nessa mistura de cores e odores
Vou tirando meu nobre sustento
Não pelos trocados, jogados ao vento
Mas pelos amores, meu doce alimento.

domingo, junho 04, 2006

A estrangeira

“O certo é louco tomar eletrochoque
O certo é saber que o certo é certo”
(O Estrangeiro - Caetano Veloso)


A estrangeira
De repente o desalinho
Um momento de loucura...

Na loucura de um momento
O devaneio propagado
Insanidade multiplicada
A razão é quebrantada

Uma pedra no caminho
Ou várias pedras da erupção
Sem destino, muito espinho
Um desnorteio da visão

Eu penso. Errado.
Eu acho. Ne - ga - ti - vo.
Eu faço. Enlouqueci?

Grau da razão, definição
Sou racional. Ou não
Animal. Quem diria?
Normas implícitas na multidão

Imenso e tênue limite,
Eu não pertenço
Preciso pertencer.
DEVO pertencer.

Perdi o ritmo
Saí do tom
Cuidado com o cão.

Observância, regra primeira
Repetência, sábia atitude
Tudo em seu lugar, mesmo que rude
E a vida segue à SUA maneira

Sem percalços
Sem erupções
Só mais uma vida
Entre as vidas sem razões.

Mas eu desperto porque tudo cala
frente ao fato de que o rei é mais bonito nú.
(O Estrangeiro - Caetano Veloso)

domingo, maio 21, 2006

Irresponsabilidade Social

Parece estranho, mas quando pensamos em solidariedade logo nos vem à mente os projetos grandiosos, os prêmios Nobel Gandhi e Madre Tereza de Calcutá e outros grandes nomes, que como dizemos “fazem história”. Estamos tão acostumados a projetar as obrigações para “aqueles que estão destinados à causa de morrer pelos outros” que não vemos o quanto estamos nos anulando.
Se mirássemos o lado capitalista da coisa, veríamos que nossa responsabilidade social ficou restrita às ações de marketing (e digamos de passagem, nos é bastante cômodo). Hoje é tão simples “ajudar”, e tal ato tornou-se um câmbio: “comprando tal produto você estará ajudando as criancinhas desnutridas,“adquirindo esta mercadoria você contribui para a instituição X”. É incrível, mas a lógica do “toma-lá-dá-cá” se difundiu também no campo social, afinal, nada melhor do que “unir o útil ao agradável”. Consumo e Solidariedade, dois conceitos tão distintos passaram a caminhar lado a lado, e, o que antes era visto com cautela agora é encarado com naturalidade. Consumir é sinônimo de solidarizar-se, um artifício perfeito e econômico, bem adaptado às exigências de mercado.
A cada dia que passa ficamos mais anestesiados, e graças a essas “ações sociais” nossa consciência paira tranqüila. “Já fizemos a nossa parte”, e o que é melhor, sem despender de grandes quantias (sem retorno) do nosso merecido ordenado. Nossa conveniente cegueira nos convence de que agindo assim somos politicamente corretos. O que não percebemos é que nossa ação se limita a financiar a “solidariedade de outros”, e que muitas vezes, apadrinhar financeiramente projetos, é um subterfúgio para não encararmos a realidade ao nosso redor.
A Solidariedade é uma relação de reciprocidade, mas ainda não nos convenceu de seu retorno. Afinal trata-se de um investimento arriscado, e de retorno duvidoso se considerarmos nossa escala de valores. Que valor tem a dignidade de uma pessoa que não conhecemos? E o sorriso de uma criança que não geramos? Realmente não são retornos “dignos” de investimento, e à primeira vista parece-nos de rentabilidade zero. E é baseado nessa análise que fundamentamos nossa escusa em relação aos “seres predestinados”; a tarefa de uns é morrer pelos outros, e quanto a nós, bem... nós aderimos à grandes causas comprando camisetas de grife...responsabilidade e tanto, destinada aos seres “normais”.

Súplicas de uma criança abandonada

A cada dia que se passava eu andava pelas salas frias e escuras daquele orfanato. Eu vivia cada momento, cada minuto esperando por você...
... você não aparecia.
Era a última criança a dormir, só dormia quando não dava para brigar mais com o meu sono, às vezes cochilava, mas acordava, assustada com qualquer mínimo barulho. Tudo na esperança de você aparecer...
... você nunca aparecia.
Ficava perambulando no jardim com minha boneca velha de pano até o pôr-do-sol. Sempre levava uma bronca, pois queria ficar até o último segundo de recreação no jardim. Tinha algo dentro de mim dizendo que você apareceria.
... você nunca aparecia.
Eu até escrevi várias cartas, vou ler uma delas:
“... espero por você há muito tempo, quando esse momento chegar, eu tenho fé que o momento chegará, sei de tudo o que vou fazer, até separei a melhor roupa que tenho para receber você...só não quero é que esse momento mágico passe depressa, pois quero viver este sonho o resto da minha vida. Quando você aparecer não vou deixar você escapar nunca mais. Vou viver grudadinha a você para sempre. Ah, se você soubesse como espero por esse dia...”
Essa carta eu escrevi em um dia de sol depois de sonhar com você, eu achei que seria aquele dia. Eu não quis fazer mais nada, tomei banho,coloquei minha melhor roupa e esperei o dia todo. Por mais que brigassem comigo, eu insisti, fiquei o dia todo esperando. Esperei, esperei, esperei.Tinha certeza de que naquele dia você viria...
... você mais uma vez não apareceu.
Chorei a noite toda, tudo parecia dar errado em minha vida, mas nunca desisti, com certeza você seria parte do meu futuro. Futuro...será mesmo que Deus reservou um futuro para mim? Mesmo com esse pensamento, enxuguei meu rosto, acendi uma chama em meu coração, uma chama que nunca mais iria se apagar, pois eu nunca desistiria, acreditaria na sua palavra, você tinha prometido que iria voltar.
No meu aniversário teve bolo, sim, naquele dia você tinha que aparecer. Fui dormir quase de manhã te esperando...
... você simplesmente não apareceu.
Hoje desanimada de tanto esperar, choro.
Choro por você nunca aparecer para me dar um beijo de boa noite.
Choro por não ter você nas horas de tristeza.
Choro por não ter você para me acariciar nas horas de medo.
Choro por esperar por você que nem sabe que eu existo.
Choro por saber que você nunca aparecerá.
Choro pelo simples fato de você não existir.

sexta-feira, maio 19, 2006

A Paz Capitalista

Há muito se fala em paz. Entretanto, tal palavra, vem, ao longo dos anos, incorporando valores que, apesar de existirem, não eram empregados freqüentemente. Foi-se o tempo em que ter Paz era “deitar e dormir o sono dos justos”. Se antes, a honestidade e a integridade moral proporcionavam uma vida serena, nos dias de hoje é necessário muito mais do que esforço individual para financiar a tranqüilidade. É como se a desenfreada corrida capitalista invadisse também a moral social.
É triste constatar, mas a inflação, os juros e a correção não são requintes somente da economia, podemos vê-los refletidos também no setor antes chamado “social”. Assim como a moeda agrega ou desagrega valores segundo as variações do mercado, a Paz vem adquirindo conceitos (quase sempre disparatados) com o decorrer das gerações. É como se cada nova geração legasse à palavra um mundo de sentidos.
Outro paralelo possível é a relação entre o aumento de exigências de perfil do “trabalhador moderno” e a precisão de pré-requisitos cada vez mais absurdos para a conquista da Paz. É aceitável que se exija uma qualificação dos trabalhadores, que precisam estar aptos a enfrentar diariamente as engrenagens do capitalismo, mas será que é preciso conhecimentos profundos da vida e da ciência para lidar com o Sossego?
Vivemos uma lógica do absurdo. Embora sacrifiquemos nossas vozes e corpos em intermináveis protestos, não percebemos nossa falha brutal: o conformismo. Nossas batalhas já estão perdidas antes mesmo de iniciarmos a guerra, isso porque nos acostumamos com o caos, pensamos ser inevitável a perturbação da ordem. Intrinsecamente acreditamos numa redenção própria e unicamente póstuma. Não é à toa que talhamos nos epitáfios a inscrição “Descanse em Paz”. Projetamos nossos anseios no desconhecido enquanto nos esforçamos para atender às exigências da vida moderna.
A sociedade está anestesiada. Até quando vamos nos enganar e dormir nosso sono tranqüilo (aquele dos justos!) enquanto nos armamos em nome da Paz? É preciso atitude, ou então, nunca quebraremos a inércia, e os revolucionários continuarão a ser vistos como ultrapassados não adaptados à modernidade, simplesmente fora do mercado...